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sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Partir de Amanhã #1



«Descalça vai para a fonte
Leonor, pela verdura;»

Luís Vaz de Camões, capitão da seleção paraolímpica de polo aquático de 1545

Este campeonato não é para brincadeiras

terça-feira, 14 de julho de 2015

Bicos #2


«Em verdade, meus amigos, eu caminho por entre os homens 
como por entre fragmentos e membros soltos de seres humanos!
O que é terrível, a meus olhos, é que eu encontro o homem despedaçado e espalhado,
como que através de um campo de batalha e de carnificina.
E se o meu olhar fugir do agora para o outrora, encontra sempre o mesmo: fragmentos,
membros e acasos atrozes... mas não seres humanos!

O agora e o outrora deste mundo... 
Ah! Meus amigos, isso é para mim o que há de mais insuportável! 
E eu não seria capaz de viver, 
se não fosse também um vidente daquilo que há-de vir.»

Zaratustra, técnico da selecção da Saxónia no campeonato da Prússia, 1900


Este campeonato não é para meos

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Bicos #1


Gostaria de dizer a verdade.
Gosto da verdade. Mas ela não gosta de mim.
A verdade é esta: a verdade não gosta de mim.
Mal acabo de dizê-la, ela muda de rosto e volta-se contra mim.
Tenho o ar de mentir e todos me olham de revés.
E, no entanto, sou uma pessoa simples e não gosto da mentira. Juro.
A mentira traz sempre complicações assustadoras.
Prendem-se-nos os pés, tropeçamos, caímos e toda a gente se ri.
Quando me perguntam alguma coisa, quero responder o que penso.
Quero responder a verdade. Ardo no desejo de dizer a verdade.
Mas não sei o que se passa.
Sou tomado de angústia, de receio, de medo do ridículo, e minto. Minto.
Não há nada a fazer. Demasiado tarde para voltar atrás.
Depois de se começar a mentir, tem de se continuar.
E não é cómodo, juro. É tão fácil dizer a verdade. É um luxo de preguiçoso.
Tem-se a certeza de que não há, depois, enganos e aborrecimentos.
Os aborrecimentos são só no momento, depois tudo se arranja.
Enquanto que eu! O diabo intromete-se. A mentira não é uma vertente a pique.
São montanhas russas que nos transportam, nos deixam sem fôlego,
nos fazem parar o coração, nos põem um nó na garganta.

Se eu amo, digo que não amo e se não amo digo que amo.
Adivinha-se a continuação. Mais vale disparar um tiro de revólver
sobre si próprio e acabar com tudo. Não! É inútil eu tentar convencer-me,
pôr-me diante do espelho e repetir: não mentirás; não mentirás; não mentirás.
Eu minto. Minto. Minto. Minto por pequenas coisas e por coisas grandes.
E se me acontece dizer a verdade, uma vez por acaso...
Surpreendida, ela volta-se do avesso, enruga-se, encarquilha-se, faz troça,
torna-se mentira.
Os mais pequenos pormenores viram-se contra mim e provam que eu menti.
E... não é que eu seja cobarde... Sei sempre o que deveria responder
e imagino o que seria preciso fazer.
No momento, porém, fico paralisado e não consigo falar.
Chamam-me mentiroso e não respondo. Poderia responder: vocês mentem.
Mas não encontro a força necessária para isso.
Deixo-me insultar e rebento de raiva. E é esta raiva que se acumula,
que se amontoa em mim, que me enche de ódio.

Eu não sou mau. Sou até mesmo bom.
Mas basta que me chamem mentiroso para que o ódio me sufoque.
Embora admita que têm razão. Eu sei que têm razão,
que mereço o insulto. Mas é assim: eu não queria mentir
e não suporto que não compreendam que minto contra a minha vontade,
que é o diabo que me instiga. Hei-de mudar, é claro.
Penso que já mudei. Não voltarei a mentir.
Encontrarei um sistema para não mentir,
para não continuar a viver na assustadora desordem da mentira.
Dir-se-ia um quarto desarrumado, uma rede de arame farpado à noite,
corredores e corredores do sonho. Hei-de curar-me.
Hei-de libertar-me. E, de resto, posso dar já uma prova.
Aqui mesmo, em público, acuso-me dos meus crimes e exponho o meu vício.
Não, não. Tenho vergonha. Detesto as minhas mentiras
e iria até ao fim do mundo para não ser obrigado a fazer esta confissão.
E vocês, vocês dizem a verdade? Serão dignos de me ouvir?
Realmente, acuso-me e nem sequer verifiquei
se o tribunal estava em posição de me julgar, de me condenar, de me absolver.

Vocês mentem com certeza! Vocês mentem todos.
Mentem constantemente e gostam de mentir
e de acreditar que não mentem. Vocês mentem a si próprios.
Isso é que é grave. Porque eu não minto a mim próprio.
Eu tenho a franqueza de confessar que minto, que sou um mentiroso.
Mas vocês, vocês são uns cobardes. Escutam-me e pensam: coitado!
E aproveitam-se da minha franqueza para dissimular as vossas mentiras.
Apanhei-os! Sabem, minhas senhoras e meus senhores,
por que é que lhes disse que mentia, que gostava da mentira?
Não era verdade. Era somente para os atrair a uma armadilha
e para chegar a uma conclusão, para compreender.
Eu não minto. Eu nunca minto. Detesto a mentira e a mentira detesta-me.
Menti apenas quando lhes disse que mentia.

Vejo agora os vossos rostos que se desfiguram.
Cada um gostaria de fugir do seu lugar e receia ser interpelado por mim.

A senhora disse ao seu marido que tinha ido ontem à modista.
O senhor disse à sua mulher que jantava com uns amigos.
É falso. Falso. Falso. Ousem desmentir-me.
Ousem chamar-me mentiroso. Ninguém diz nada?
Perfeito. Eu sabia com o que contava. E fácil acusar os outros.
Fácil deixá-los mal colocados. Vocês dizem-me que minto e, afinal,
são vocês que mentem. É admirável. Eu nunca minto. Ouvem? Nunca.
E se me acontece mentir, é para prestar um serviço...
para evitar fazer sofrer... para evitar um drama. Mentiras piedosas.
E claro que é forçoso mentir. Mentir um pouco... de tempos a tempos.
O quê? Que diz? Ah! julgava... não... porque...
acharia estranho que me censurassem este género de mentira.
Seria engraçado, vindo de vocês.
De vocês, que mentem, a mim, que nunca minto.

Vejam, por exemplo, no outro dia — não, vocês não acreditariam.
De resto, a mentira... a mentira... é uma coisa magnífica.
Digam lá, imaginar um mundo irreal e fazer acreditar nele — mentir!
É certo que a verdade tem o seu peso e consegue espantar-me. A verdade.
As duas equivalem-se. Talvez a mentira lhe ganhe...
embora eu nunca minta. O quê? Se já menti? Claro que sim.
Menti quando lhes disse que mentia.
Menti quando lhes disse que mentia ou quando lhes disse que não minto?
Mentiroso, eu? No fundo, já não sei. Sinto-me confuso.
Que tempo o nosso! Serei um mentiroso?
Pergunto--lhes. Sou antes uma mentira.
Uma mentira que diz sempre a verdade.

Jean Cocteau, massagista gaulês no Euro 84 da UEFA
Este campeonato não é para pombos

domingo, 24 de maio de 2015

34 brados


«Se a minha história tem o Teu sentido,
dá-me a mais sensualidade do conceito, para que eu reconheça o desconhecido que me olha
que sou eu,
e eu, viva,
termine o Teu inacabado efeito.»

Maria Gabriela Llansol, carregadora de pianos, membro do Comité Executivo da UEFA  

Este campeonato não é para colos

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Terceira Metade #1



Este campeonato não é para marrecos 

domingo, 28 de setembro de 2014

Filosofia do Bacharelato


«A arte de perder não é difícil de se dominar;
tantas coisas parecem cheias da intenção
de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.

Perder qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação
de chaves perdidas, a hora mal passada.
A arte de perder não é difícil de se dominar.

Então procura perder mais, perder mais depressa:
lugares e nomes e para onde se tencionava
viajar. Nenhuma destas coisas trará uma calamidade.»

Elizabeth Bishop, especialista em futebol feminino

Este campeonato não é para engenheiros 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Voltaren Emulgel, 10 mg/g Gel 150g


Miralem Sulejmani


Rúben Amorim

Anderson Talisca

Artur

Este campeonato não é para banhas da cobra

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Uma forma inaudita de consolação #3



Este campeonato não é para estatutos


sexta-feira, 27 de junho de 2014

Uma forma inaudita de consolação #2



Este campeonato não é para rapazecos


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Uma forma inaudita de consolação #1



Regressou a casa o pombo correio CR7. 
(Recusa-se a tocar nos alimentos que lhe são oferecidos,
limita-se a mostrar o seu corpo nu)


Este campeonato não é para columbistas


quinta-feira, 15 de maio de 2014

118"


"há sempre alguém que defende um 0-0 melhor do que tu."


adágio de Carlo Vicente Pedersoli, modificado.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Vem tarde e más horas

Mas nunca é demais perceber as razões que nos levam a ter receio de jogar no Dragão.





sexta-feira, 2 de maio de 2014

Turimópilas



«É preciso saber decifrar as caras e interceptar os sinais da alma.
Reconhecer-se-á, assim o néscio, porque está sempre as rir-se,
e o falso, porque nunca o faz; evitar-se-á o curioso
porque é volúvel ou por reparar nos defeitos.»

Baltasar Gracián y Morales, ponta esquerda catalão, 1601 internacionalizações


Abrimos os braços e ampliámos um gesto de bravura. Contra o peito, deixámo-nos invadir por eles, abrimo-nos à palavra mística. Não nos tivessem feito inferiores e não iriam chorar a surpresa do nosso heroísmo. 

Questo campionato non è per vecchi

Será no sofá


Temos pena, Pirlo. 


terça-feira, 29 de abril de 2014

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua


"absence is the highest form of presence"

James Best Joyce

terça-feira, 22 de abril de 2014

Posto de Escuta, Roger


«Não basta compreender o terror. É preciso participar dele» 

Rui Nunes, preparador físico lusitano, campeonato do mundo de 1986

Este campeonato não é para espíritos santos de orelha 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

33 fitas


«Eu embalei-me em silêncio de uma forma tão profunda 
e por tanto tempo que nunca mais me consegui exprimir-me usando palavras. 
Quando falo, apenas me embalo de forma um pouco diferente.»

Herta Müller, ponta da lança da Transilvânia, suspensa pela FIFA até 2032

Este campeonato não é para carecas com óculos

domingo, 20 de abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Esta Taça não é para Velhos




(Mario Benedetti, trinco de contenção, trinco de construção)

Están en algún sitio / concertados
desconcertados / sordos
buscándose / buscándonos
bloqueados por los signos y las dudas
contemplando las verjas de las plazas
los timbres de las puertas / las viejas azoteas
ordenando sus sueños sus olvidos
quizá convalecientes de su muerte privada

nadie les ha explicado con certeza
si ya se fueron o si no
si son pancartas o temblores
sobrevivientes o responsos

ven pasar árboles y pájaros
e ignoran a qué sombra pertenecen

cuando empezaron a desaparecer
hace tres cinco siete ceremonias
a desaparecer como sin sangre
como sin rostro y sin motivo
vieron por la ventana de su ausencia
lo que quedaba atrás / ese andamiaje
de abrazos cielo y humo

cuando empezaron a desaparecer
como el oasis en los espejismos
a desaparecer sin últimas palabras
tenían en sus manos los trocitos
de cosas que querían

están en algún sitio / nube o tumba
están en algún sitio / estoy seguro
allá en el sur del alma
es posible que hayan extraviado la brújula
y hoy vaguen preguntando preguntando
dónde carajo queda el buen amor
porque vienen del odio.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Futesofia


"O futebol joga-se com os pés, mas a cabeça é que decide."
Jorge Jesus

quinta-feira, 27 de março de 2014

Serviços de Limpeza Toto Salvio


Limpa tudo o que é corredores, aspira todas as laterais. Não consegue, não sabe como se limpa o centro das divisões. 

segunda-feira, 10 de março de 2014

Na erecção errada


Uma palavra que está sempre na boca 
transforma-se em baba.

Provérbio Burundi, país organizador do CAN de 2028


Um burro, no dia certo, na hora exacta, dá o arroto de toda a relva que cheirou. 
Tira os cheiros do corpo como tira um chocalho do pescoço, com as orelhas quentes e a olhar para o umbigo. Pena é que se baba todo.

Este campeonato não é para burros

domingo, 9 de março de 2014

o quadro por vir


a comunidade parece oferecer-se como tendência,
a uma comunhão ou mesmo uma fusão, isto é,
a uma efervescência que só agruparia os elementos 
para dar lugar a uma unidade (uma supra-individualidade) 
que se exporia às mesma objecções que a simples
consideração de um único individuo,
fechado na sua imanência

(Maurice Blanchot, centro-campista infinito, 4º lugar no campeonato europeu de 1960)


Delírio que é em mim o de escrever para regressar ao tempo em que desconhecia ser amante de arte.
Quanto tempo para encontrar a arte exacta? Quanto tempo para a perder? 
O que nos pode ligar, ou o que nos liga já? Será a recordação do quadro por vir? 

Este campeonato não é para ajoelhados

sexta-feira, 7 de junho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

A pouco e pouco

Um dos últimos românticos, mágico de cartola e varinha mágica, harmoniosa condução e conduta harmoniosa. Perdemos todos com a saída de Aimar. O Benfica não deixa de ser um clube mágico, nunca deixará de o ser, mas alguma magia deixou o Benfica. 




O meu mais profundo agradecimento por todos os momentos.
Eu vi Aimar jogar no Benfica. Vi-o ao lado de Saviola num Benfica de futebol total, com os resultados que todos conhecemos. Esse Benfica já lá vai. Preferiu o pragmatismo à beleza, a vertigem à classe, o músculo ao cérebro, a táctica à liberdade. Restam-nos memórias. Se calhar é tudo o que na vida nos resta.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Em nome do fim


Oh Atropos, Oh Láquesis, Oh Cloto malditas sejam.
De nada sabermos de mãos exactas, peregrinámos por todo o lado, onde aprendemos a sofrer, onde nos preparámos para morrer pela glória. Amanhã saberemos se valeu a pena tão longa aprendizagem. Esta é a ultima vez que pronunciarei o vosso nome. 

Este campeonato não é para Moiras     

domingo, 26 de maio de 2013

sexta-feira, 17 de maio de 2013

por onde andará? #1



terça-feira, 7 de maio de 2013

É um dia curioso. É uma hora tardia.

Depois da "desilusão" que este empate trouxe às hostes benfiquistas, acabei a falar com o Diego Armés na Típica de Alfama (quem diria).
Quis apostar uma garrafa de Jameson, eu, para outorgar ao outro um feito que é óbvio para mim.

Recordei-me do propósito inicial deste blogue: "Este campeonato não é para Velhos".
Não sou novo, são já 25 anos de vitórias irregulares - em todos os sentidos.
Esta é uma época que já me ultrapassa, a todos os níveis.
Houve quem a tenha dado por ganha, houve quem tenha falado em "sujinha", houve jogos de bastidores pelo meio; conferências, gabarolice, etc...

O termo invicto cabe a duas equipas, agora que nos aproximamos dos últimos jogos.
São duas óptimas equipas.

Talvez este campeonato não seja para mim.





sábado, 29 de setembro de 2012

Me encanta


Se pensarmos na história da humanidade, muitas são as parvoíces perpetuadas durante séculos tidas como irrefutáveis. Galileu que o diga. No futebol há, nos dias de hoje, uma frase, julgo eu, cunhada pelo actual treinador do Sport Lisboa e Benfica que imediatamente adquiriu esse estatuto. A dada altura da sua carreira, a "Paula Rego do futebol" disse, e passo a citar, que os "jogadores de futebol são como os melões, só depois de se abrirem se sabe se são bons". Se não foi o mestre da táctica, foi o Rei Sol, são figuras que já se confundem porque a sombra das trevas nos impede de os distinguir. Não penso assim, obviamente, e por duas razões: 1) a minha avó, que é do campo, nunca escolheu um melão mau. Pelo cheiro e pelo toque reconhecia a sua sumarência e 2) ao contrário dos melões escolhidos pela minha avó, um bom jogador reconhece-se a milhas e é o toque de bola que o define. Esta não é uma arte perdida, está ao alcance de qualquer adepto de futebol. É como o bom escritor que se reconhece num parágrafo, o pintor no detalhe, o cineasta em poucos planos. Enzo Pérez, o motivo deste inteligentíssimo texto, é um desses casos. Lembra o solo de violino numa sinfonia. Tudo parece ser feito com harmonia, numa dança em que se assume como protagonista: a forma como conduz, como retém a bola e como facilmente ultrapassa adversários. Enzo tem tudo e a isto junta a inteligência. Sim, porque os grandes jogadores de futebol são seres dotados de grande inteligência, mesmo que confundam marisco com tremoços, a arte que praticam, sobretudo se o fizerem como Enzo, é o único atestado que necessitam. A todos esses, a minha vénia, a Enzo, que me continue a encantar.



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

dia de luto

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Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.
- Mas qual é a pedra que sustém a ponte? - pergunta Kublai Kan.
- A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra - responde Marco -, mas sim pela linha do arco que elas formam.
Kublai Kan permanece silencioso, reflectindo. Depois acrescenta: - Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa.
Polo responde: - Sem pedras não há arco.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

Mais importante que jogadores velocistas, é uma bola velocista, só possível nos pés de quem a trata com pés de algodão e, por isso, com a sabedoria de um mestre. A Saviola a melhor sorte e as minhas desculpas. É daqueles que nunca esperei ver com o Manto Sagrado. Perde o futebol português, perde, sobretudo, o Benfica.


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domingo, 12 de agosto de 2012

a morte que antecede a morte



Julgo que era Epicuro quem dizia que a morte era nada, porquanto existimos e ela não; existe a morte, somos nós que deixamos de existir. Sabemos que ela existe, pairando, e que passamos como tudo sem remédio passa. Mas o que me inquieta, e certamente preocupará os outros filósofos desta academia, é a morte que antecede a morte, o vaticínio, assomo frio que conduz à lividez, chão tremente e desejoso de nos sepultar.

Os gestos que denunciam esta morte em vida são pequenos, indistintos, mas que aos olhos de quem quer ver transformam-se em clarões de relâmpago. A bailarina que falha o ansiado cabriole, o actor que esquece o texto, o músico, a partitura, o filósofo, catatónico, olhando o vazio. São os momentos que nos surpreendem por estarem deslocados, fora da sua ordem natural, sem a beleza encantadora que os costuma reger. Da oitava arte a primeira, o futebol é muitas vezes contaminado por situações semelhantes. Ver Maradona pontapear um adversário e saber que o seu tango era suficiente para desfeitear toda a equipa adversária é como ler Lobo Antunes e ver a prosa como esta, rígida, académica, sem a força do seu fluxo de consciência. Ambos perdem aquilo que os distingue: a arte. O mesmo acontece com instituições. Somos seres necessitados de faróis, guias que nos formam o carácter, e não esperamos ver as mesmas desvirtuadas, assemelhando-se a outras, porque a distinção que fazemos chega pela diferença, é isso que as torna únicas. Um homem não faz uma instituição, mas escorar um individuo que tão antagonicamente age face aos princípios que norteiam a mesma pode significar um vento de mudança em direcção ao cadafalso, indica-nos a enfermidade da própria instituição. Os sujeitos acima representam as bailarinas desajeitadas, os filósofos ensandecidos, os actores amnésicos. Sobramos nós, adeptos, paramédicos do futebol, para dizer que este pobre espectáculo não tem arte, que o Benfica parece há uns largos anos afundado na crise ideológica própria da pós-modernidade e que não será à peitada que de lá sairá. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Do atraso irremediável




O Futebol é popular porque a estupidez é popular.
(Jorge Luis Borges, olheiro em potência, México 1986)

Foi em 1950 que Jorge Luis perdeu o que lhe restava da vista. Dez anos depois nasceu Diego Armando. É fácil supor que os dois senhores nunca se cruzaram, dado que o segundo viria a representar o pináculo daquilo que o primeiro repudiava.
A história não é esta: 
Houve capacidade de premonição no escritor e este esforçou-se; usou bengala, quis viver, mas o destino foi amargo - Borges parte a 14 de Junho.
Maradona; exímio na arte de chegar antes, primeiro na visão, executante antes de tempo, concebe o Golo tardiamente - a 22 do mesmo mês.

Jorge deixou-nos a frase de cima, Diego o momento de baixo:





O que está em cima é o que está em baixo?