Julgo que era Epicuro quem dizia
que a morte era nada, porquanto existimos e ela não; existe a morte, somos nós
que deixamos de existir. Sabemos que ela existe, pairando, e que passamos como tudo sem remédio passa.
Mas o que me inquieta, e certamente preocupará os outros filósofos desta
academia, é a morte que antecede a morte, o vaticínio, assomo frio que conduz à
lividez, chão tremente e desejoso de nos sepultar.
Os gestos que denunciam esta
morte em vida são pequenos, indistintos, mas que aos olhos de quem quer ver
transformam-se em clarões de relâmpago. A bailarina que falha o ansiado cabriole, o actor que esquece o texto, o músico, a partitura, o
filósofo, catatónico, olhando o vazio. São os momentos que nos surpreendem por
estarem deslocados, fora da sua ordem natural, sem a beleza encantadora que os
costuma reger. Da oitava arte a primeira, o futebol é muitas vezes contaminado por
situações semelhantes. Ver Maradona pontapear um adversário e saber que o seu
tango era suficiente para desfeitear toda a equipa adversária é como ler Lobo
Antunes e ver a prosa como esta, rígida, académica, sem a força do seu fluxo de
consciência. Ambos perdem aquilo que os distingue: a arte. O mesmo acontece com
instituições. Somos seres necessitados de faróis, guias que nos formam o
carácter, e não esperamos ver as mesmas desvirtuadas, assemelhando-se a outras, porque
a distinção que fazemos chega pela diferença, é isso que as torna únicas. Um homem não faz
uma instituição, mas escorar um individuo que tão antagonicamente age face aos princípios que norteiam a mesma pode significar um
vento de mudança em direcção ao cadafalso, indica-nos a enfermidade da própria instituição. Os sujeitos acima representam as bailarinas desajeitadas, os filósofos ensandecidos, os actores amnésicos. Sobramos nós, adeptos, paramédicos do futebol, para dizer que este pobre espectáculo não tem arte, que o Benfica parece há uns largos anos afundado na crise ideológica própria da pós-modernidade e que não será à peitada que de lá sairá.
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