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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

dia de luto

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Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.
- Mas qual é a pedra que sustém a ponte? - pergunta Kublai Kan.
- A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra - responde Marco -, mas sim pela linha do arco que elas formam.
Kublai Kan permanece silencioso, reflectindo. Depois acrescenta: - Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa.
Polo responde: - Sem pedras não há arco.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

Mais importante que jogadores velocistas, é uma bola velocista, só possível nos pés de quem a trata com pés de algodão e, por isso, com a sabedoria de um mestre. A Saviola a melhor sorte e as minhas desculpas. É daqueles que nunca esperei ver com o Manto Sagrado. Perde o futebol português, perde, sobretudo, o Benfica.


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domingo, 12 de agosto de 2012

a morte que antecede a morte



Julgo que era Epicuro quem dizia que a morte era nada, porquanto existimos e ela não; existe a morte, somos nós que deixamos de existir. Sabemos que ela existe, pairando, e que passamos como tudo sem remédio passa. Mas o que me inquieta, e certamente preocupará os outros filósofos desta academia, é a morte que antecede a morte, o vaticínio, assomo frio que conduz à lividez, chão tremente e desejoso de nos sepultar.

Os gestos que denunciam esta morte em vida são pequenos, indistintos, mas que aos olhos de quem quer ver transformam-se em clarões de relâmpago. A bailarina que falha o ansiado cabriole, o actor que esquece o texto, o músico, a partitura, o filósofo, catatónico, olhando o vazio. São os momentos que nos surpreendem por estarem deslocados, fora da sua ordem natural, sem a beleza encantadora que os costuma reger. Da oitava arte a primeira, o futebol é muitas vezes contaminado por situações semelhantes. Ver Maradona pontapear um adversário e saber que o seu tango era suficiente para desfeitear toda a equipa adversária é como ler Lobo Antunes e ver a prosa como esta, rígida, académica, sem a força do seu fluxo de consciência. Ambos perdem aquilo que os distingue: a arte. O mesmo acontece com instituições. Somos seres necessitados de faróis, guias que nos formam o carácter, e não esperamos ver as mesmas desvirtuadas, assemelhando-se a outras, porque a distinção que fazemos chega pela diferença, é isso que as torna únicas. Um homem não faz uma instituição, mas escorar um individuo que tão antagonicamente age face aos princípios que norteiam a mesma pode significar um vento de mudança em direcção ao cadafalso, indica-nos a enfermidade da própria instituição. Os sujeitos acima representam as bailarinas desajeitadas, os filósofos ensandecidos, os actores amnésicos. Sobramos nós, adeptos, paramédicos do futebol, para dizer que este pobre espectáculo não tem arte, que o Benfica parece há uns largos anos afundado na crise ideológica própria da pós-modernidade e que não será à peitada que de lá sairá. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Do atraso irremediável




O Futebol é popular porque a estupidez é popular.
(Jorge Luis Borges, olheiro em potência, México 1986)

Foi em 1950 que Jorge Luis perdeu o que lhe restava da vista. Dez anos depois nasceu Diego Armando. É fácil supor que os dois senhores nunca se cruzaram, dado que o segundo viria a representar o pináculo daquilo que o primeiro repudiava.
A história não é esta: 
Houve capacidade de premonição no escritor e este esforçou-se; usou bengala, quis viver, mas o destino foi amargo - Borges parte a 14 de Junho.
Maradona; exímio na arte de chegar antes, primeiro na visão, executante antes de tempo, concebe o Golo tardiamente - a 22 do mesmo mês.

Jorge deixou-nos a frase de cima, Diego o momento de baixo:





O que está em cima é o que está em baixo?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Por onde andará a pós-modernidade do futebol?


Se nada se repete igual,
todas as coisas são últimas coisas.
Se nada se repete igual,
todas as coisas são também as primeiras.

(Roberto Juarroz, avançado vertical, campeão do mundo em 1978)



A grande época do pós-modernismo no futebol foi muito curta. Augusto Justo e Quarlos Eirós foram os últimos que souberam falar, com propriedade, da pós-modernidade do mundo da bola depois de a sua morte ter sido declara. Herdeiros de Heraclito e mestres na arte fibonacciana, Justo & Eirós (2003-2006) trataram dos problemas "pós-modernistas" como de fugida a um fora de jogo existencialista, ou como numa última jogada irredutível à constrição do chuveirinho corbusieriano, ou ainda, como num maravilhoso fôlego incompleto de Secretário até a linha de fundo merengue
No final da curta carreira e, de entre muitas soluções que o universo futebolístico lhes oferecia, escolheram o ingresso no FC Lavorare Stanca, famoso clube transalpino que se notabilizou por tornar as partidas lentas mas com golos velozesPara chegar a este patamar não bastava capacidade técnica pavesiana, que ambos possuíam, era também necessária uma requintada cultura táctica capaz de contornar a solidão da arquibancada. Encerrava-se assim o último anel da genealogia de génios do pensamento futebolístico. 
Deve dizer-se, porém, que a sua obra foi altamente contagiosa, muitos dos que a leram foram atingidos por um ricto surrealista similar a Conrad Veidt. Mas deixemos de parte os pressupostos pós-modernos, a quem nenhum quadro ou reconstituição de ambiente conseguirá fazer justiça. 


No universo futebolístico não se nasce apenas médio que ocupa bem a meia-esquerda ou avançado móvel, forte e ágil, como pretende o zeitgeista Luís Freitas Lobo, também se pode nascer adepto. 
Outrora, os adeptos nasciam novos e a pouco e pouco iam ficando velhos. Agora nascem velhos, e alguns conseguem tornar-se, a pouco e pouco, novos.

Este campeonato não é para velhos.